Uma das ideias primárias da Justiça é, indubitavelmente, a de se promover a pacificação social, aferida na possibilidade de se reclamar ao Estado-Juiz as situações não mais críveis de resolução em âmbito administrativo, superando-se – parcialmente, é verdade – a chamada autotutela e conferindo ao sistema, em tese, uma segurança jurídica.
Para isso, a Justiça deverá proceder à consolidação de determinados fenômenos jurídicos ao longo do tempo, ou seja, o transcorrer do tempo possuirá tanto o poder de constituir um direito, quanto o de extingui-lo.
Tudo bem, quando o assunto envolve Justiça e Tempo, é muito provável que o leitor esteja pensando: “Ok, mas e o tempo (quase) infindável de duração de um processo judicial poderá acarretar numa perda do direito?!”. Em regra, isso não ocorrerá, mas adianto que a resposta real, infelizmente, é irritantemente jurídica: Depende!
O nosso sistema jurídico apresenta dois institutos que certamente complicam a vida de quem viu o tempo passar, que são a prescrição e a decadência. De forma bastante rápida, a diferença entre os dois é que o primeiro constituirá o fim de um direito subjetivo (pretensão), ao passo que o segundo constituirá o fim de um direito potestativo (auto executável).
Acontece que a chamada “prescrição” poderá ocorrer com aquele preterido crédito que está sendo cobrado judicialmente sem qualquer esperança de ser pago num lapso de tempo minimamente cogitável.
Ok, é exatamente aqui que adentro ao foco da coluna, que é a famigerada e (para alguns) confusa “prescrição intercorrente”. Relaxa, você vai entender.
Imagine que você está cobrando judicialmente uma dívida de R$ 10.000,00 (dez mil reais) representada numa Nota Promissória, que possui um prazo prescricional de 03 (três) anos, e que você está buscando qualquer bem do devedor para saldar a dívida há 05 (cinco) anos, mas não logra sucesso algum.
Essa é uma oportunidade a qual a Lei confere a possibilidade de se suspender o processo de execução (cobrança) pelo prazo de 01 (um) ano, o que, em teoria, possibilitará a você um tempo mais tranquilo para buscar eventuais bens do devedor, certo? É… mais ou menos.
Agora imagine que você não utiliza desse tempo para absolutamente nada no processo e o prazo de suspensão (um ano) transcorre em branco, porque você cansou, desanimou e desistiu do crédito ou, talvez, simplesmente esqueceu da existência dele. Assim, o silêncio, aos olhos do juiz, servirá como o necessário para que ele determine o arquivamento do processo.
No exato momento do transcurso do prazo de um ano de suspensão sem movimento no processo, começará a incidir a tal da prescrição intercorrente, que será igual ao prazo prescricional do título, que no exemplo era de três anos.
Digamos, então, que nos outros três anos subsequentes o processo continuou lá intacto no arquivo do Fórum, servindo apenas para recolher poeira. Essa será a oportunidade a que o juiz pedirá para você se manifestar acerca da prescrição intercorrente e, se for identificada, a execução será extinta e, infelizmente, meu amigo, não caberá mais nem reza para o Santo Expedito.
“Das palavras, as mais simples; das mais simples, as mais curtas” disse Winston Churchill, pois bem, então aqui vai: a prescrição intercorrente representa o fim do direito subjetivo, decorrente de uma inércia identificada A PARTIR do processo, ou seja, contará de DENTRO dele.
No antigo sistema do processo civil, o instituto já era reconhecido pela jurisprudência, capitaneada de forma exemplar pelo Superior Tribunal de Justiça. Agora, para a comemoração de uns e chorumelas de outros, ele foi expressamente previsto na Lei 13.105/15, aos artigos 924, V, e 921, § 1º e seguintes, portanto, excluídos dores e amores ao instituto, o fato é que talvez seja esta uma ótima e especial hora para se averiguar a recuperação de eventuais créditos esquecidos.
Autor: Kaio Zandavalli – Formação em Ciências Jurídicas pela Universidade Regional de Blumenau – FURB; Pós-graduando em Advocacia Civil e Empresarial pelo Centro de Excelência em Direito da Fundação Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC; Pós-graduando em Direito Processual Civil, pela faculdade Damásio Educacional; Atuação na BCK Advogados com em Consultivo e Contencioso com ênfase nas áreas do Direito Civil e Empresarial.