O termo “sandbagging” é comumente utilizado no ambiente esportivo para definir uma conduta espúria de determinado jogador (sandbagger) que deliberadamente induz os demais jogadores a acreditarem no que ele quer. Por exemplo, um enxadrista que finge não saber jogar xadrez para, com isso, ser admitido em um torneio de baixo ranqueamento e, assim, conseguir facilmente vencer as disputas.
No ambiente jurídico empresarial, o termo se refere a cláusulas em contratos de compra e venda de participação societária. Estas cláusulas permitem ou proíbem o comprador de usar as declarações e garantias do vendedor para pedir indenização após a conclusão do negócio, por questões que já eram conhecidas pelo comprador antes de próprio fechamento (closing).
Queira imaginar a seguinte situação: durante o período de diligências, o comprador toma conhecimento de que a empresa alvo (target) do vendedor possui um passivo fiscal relevante, mas que nem sequer o vendedor tinha conhecimento. Sem compartilhar essa informação com o vendedor, resolvem as partes prosseguir para a celebração do contrato (signing), onde o vendedor declara e garante ao comprador a inexistência do passivo fiscal. Então, antes do fechamento da operação (closing), o comprador resolve acionar a garantia prestada com o fim de suprir tanto a cobertura do referido passivo quanto da multa contratual.
Nessa situação, o comprador agiu como um “sandbagger”.
Mas e qual é a consequência disso? O comprador tinha a obrigação de informar o vendedor de tal situação antes da assinatura? Bem, você sabe que a resposta será um típico “Depende”.
Antes de muito, precisamos ter em mente que esse tipo de instituto contratual é importado do direito estadunidense, de típica common law e que, ainda assim, guarda divergências entre as regulamentações de alguns estados da federação.
Compreendendo que a cláusula será ou pro-sandbaggin (favorável ao comprador) ou anti-sandbagging (favorável ao vendedor), fatalmente se percebe que sua regulação se calça no princípio da autonomia das vontades (art. 421, Código Civil) e não deve ser facilmente derruída, sob pena de afetar a segurança jurídica e o equilíbrio econômico do contrato, circunstâncias fortalecidas pela previsão do art. 421-A, II, do Código Civil, trazida pela Lei da Liberdade Econômica:
Art. 421-A. Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que:
II – a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada;
Mas é evidente que a resposta ao problema não será tão simples assim, até porque a liberdade de contratar também possui limites.
Pensando sob o prisma da obrigação das partes em guardar o princípio da boa-fé (art. 422, Código Civil) em todas as etapas de uma contratação (antes, durante e após), sobram argumentos para sustentar tanto a nulidade quanto a anulabilidade de uma disposição pro-sandbagging. É que se o sistema civil proíbe, com base no princípio da boa-fé objetiva e todos os seus desdobramentos, que alguém se aproveite da própria torpeza para auferir condição juridicamente melhor (venire contra factum proprium) e até mesmo possibilita a anulação do negócio jurídico fundado no dolo (art. 145 e seguintes do Código Civil), de fato não parece haver convergência da cláusula pro-sandbagging com o sistema privado brasileiro.
De outro lado, não se pode olvidar que uma negociação de tamanha envergadura, como é a de aquisição de participação societária, contenha em seu bojo um sem-número de compensações cruzadas que contextualizam uma bateria de negociações e, ao final de um raro acerto entre as partes, dá ao negócio o seu próprio equilíbrio econômico.
Além disso, a mesma boa-fé que fundamenta a ilegalidade de uma disposição pro-sandbagging também traz à mesa a reflexão em relação aos deveres de diligência e probidade dos agentes, quer dizer, o administrador é obrigado a exercer sua função com a mesma diligência que se costuma identificar em indivíduos ativos e probos na condução de seus próprios negócios.
Atualmente, não há registro de qualquer julgado sobre as sandbaggings clauses nos tribunais nacionais, mormente porque em tais operações a análise é promovida, em regra, em sede de arbitragem, que possui confidencialidade por sua própria natureza, mas a validade ou não de tais cláusulas devem ser analisada de forma bastante casuística, de modo a identificar as peculiaridades de cada situação e a (in)existência de abusividades, má-fé ou vícios de vontade.
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Sócio e Diretor Executivo. Graduado pela Universidade Regional de Blumenau (FURB), pós-graduado em direito cível e empresarial pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC) e em Direito Público pela Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina (ESMESC) e LL.M (Master of Laws) em Direito Societário pelo Instituto de Ensino e Pesquisa de São Paulo (INSPER/SP), Diretor Jurídico da Associação Empresarial de Palhoça (ACIP), com ênfase de atuação na Advocacia Consultiva e Contenciosa em Direito Empresarial.
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