Para Arion Sayao Romita[1] “são lícitas todas as modalidades de contrato das quais não derivam prejuízos para o trabalhador nem fraude a legislação previdenciária.
Historicamente, não havia previsão legislativa acerca da terceirização da atividade de uma empresa, tampouco sobre atividade meio e fim.
A construção existente sobre o tema era a Súmula 331 do TST, que vedava a terceirização da atividade fim, mas estabelecia como lícita apenas a da atividade meio, como serviços de limpeza e vigilância, por exemplo.
Inicialmente, é importante destacar que a presunção de vínculo de emprego com o tomador, estabelecida na súmula 331, era relativa, e não absoluta, podendo, portanto, ser elidida por prova em contrária.
O TST, ao proibir a terceirização da atividade fim, queria evitar que, dentro de uma mesma empresa, houvessem trabalhadores próprios e terceirizados (embora subordinados a contratante), com condições de trabalho diferentes e menores em relação a salário, benefícios de normas coletivas, saúde e segurança, etc.
No caso da subcontratação no transporte rodoviário de cargas, a especificidade é diferente.
Em regra, as transportadoras que fazem a subcontratação do frete são aquelas que detém “permisso“ para realizar transporte internacional junto ao Mercosul.
Para obter referida permissão, é necessário obter a “Licença Originária“, que somente é concedida caso a empresa preencha os requisitos estabelecidos nos acordos internacionais de transporte rodoviário de cargas, na legislação brasileira e na Resolução n. 1474/2006 da ANTT.
Considerando que nem todas transportadoras obtém o “permisso“, se justifica a subcontratação do frete, mediante contrato de prestação de serviços com Empresas de Transporte de Cargas.
Essa subcontratação deve ser realizada com empresa idônea, que tem frota própria, motoristas registrados e todas condições necessárias para realizar o frete.
Como contrapartida, a subcontratante recebe um percentual do valor do frete e deve responder de forma subsidiária por eventuais débitos trabalhistas não adimplidos pela subcontratada.
Referido modelo de trabalho é bom para todas as partes envolvidas. Para o subcontratante, consegue obter faturamento (percentual do valor do frete) sem necessitar comprar mais caminhões e assumir riscos da atividade, como acidente de trânsito. Para o subcontratado é possível realizar um frete que não teria como ter acesso sem participação da subcontratante, além de obter faturamento com o valor do frete. Para o motorista que dirige o caminhão para fazer a entrega da mercadoria, é interessante porque é devidamente registrado e recebe todos os direitos trabalhistas da empresa subcontratada, e ainda tem o direito de receber da subcontratante, de forma subsidiária pela via judicial. Por sua vez, o governo recebe todos os impostos devidos, tanto da relação comercial entre as duas empresas como em relação ao vínculo de emprego do motorista com a subcontratada. Num mercado altamente competitivo, é necessário criar alternativas hábeis para amenizar as dificuldades de manter negócios no país. O direito do trabalho é muito sensível as transformações sociais, embora não pode permanecer inerte a elas. Para tanto, deve buscar de forma incessante o equilíbrio entre o capital e trabalho, o que, sem dúvidas, é presente nesse modelo de negócio. |
Para haver a configuração do vínculo de emprego, os requisitos do art. 3 da CLT devem estar devidamente preenchidos.
É uma situação diferente daquela em que uma empresa de transporte contrata um motorista autônomo (pessoa física ou mediante “pejotização“), que trabalha mediante os requisitos do vínculo de emprego e não é registrado.
Os direitos decorrentes de negociação coletiva devem ser observados para os trabalhadores das duas empresas – subcontratante e empresa subcontratada – ou seja, não há prejuízo ao trabalhador dessa.
Não se trata de contratação de mão de obra por empresa interposta, mas uma subcontratação em que o subcontratado utiliza de seu patrimônio e assume o risco do negócio para cumprir um contrato.
Em caso similar, o TST entendeu pela licitude da “terceirização“, por inexistência de fraude e violação a direitos trabalhista, vejamos:
AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECURSO DE REVISTA – TERCEIRIZAÇÃO – TRANSPORTE DE CARGAS – LEI N° 11.442/2007. O Tribunal Regional concluiu que a terceirização se encontra amparada na legislação vigente. Afastou, ainda, a hipótese de fraude, na medida em que não se verificou ter a reclamada tentado violar direitos trabalhistas. Assim, não há que falar em contrariedade à Súmula 331 desta Corte. Agravo de instrumento não provido. (AIRR 1136-42.2010.5.18.0006, 2 Turma, Rel Des Convocada Maria das Graças Silvany Dourado, Julgado em 30/11/2012)
Ao comentar acerca do posicionamento do TST acerca da terceirização, o professor Amauri Mascaro Nascimento nos ensina que[2]:
“Os problemas maiores tem surgido não com o trabalho temporário, mas com o permanente, com a contratação por prazo indeterminado, de trabalhadores por empresa interposta e desde que haja subordinação direta dos trabalhadores a contratante, porque, na realidade, são diretamente dirigidos pela contratante, em cujo estabelecimento, muitas vezes, exercem as suas atribuições, ao lado dos empregados da contratante e sem qualquer dado real diferenciador dos mesmos“.
De acordo com Amauri Mascaro, o problema da terceirização ocorre quando existe contratação de trabalhadores por empresa interposta, mas a subordinação é direta com a contratante.
Referido professor, na mesma obra doutrinária, examina a terceirização por diversos aspectos e, dentro eles, pelo viés administrativo, da seguinte forma[3]:
“…III – Perspectiva da fiscalização com atuações, em alguns casos, da empresa contratante em cujo estabelecimento forem encontrados trabalhadores de terceiras em condições de subordinação jurídica e fora das hipóteses reconhecidas pelo Judiciário, caso em que a multa é, forçadamente, por falta de registro de empregado“.
De acordo com Amauri Mascaro Nascimento, a multa deve ocorrer, forçadamente, quando forem encontrados trabalhadores de terceiros na sede da empresa contratante, diretamente subordinados a essa.
O Prof. Amauri Mascaro ainda ensina[4]: “Outro dado importante para a solução está na subordinação jurídica que não se confunde com a técnica. Nas empresas de trabalho temporário a subordinação jurídica do trabalhador é fixada com a própria prestadora enquanto a subordinação técnica pode surgir com o tomador. Nem por isso há relação de emprego com o tomador, situação que não difere daquela que se configura no presente caso“.
Já Alice Monteiro de Barros, ao discorrer acerca da terceirização ilícita, afirma que[5] “A empresa prestadora de serviços não encontra, na qualidade de empregadora, guarida na ordem jurídico-trabalhista vigente, pois somente repassa o salário ao empregado e não se apropria, nem se beneficia do resultado do trabalho por ele prestado. Tampouco assume os riscos da atividade econômica para a qual concorre o serviço desenvolvido“.
Alice Monteiro de Barros ainda finaliza[6]:
“Nota-se, portanto, uma flexibilização na contratação de trabalhadores diante de novas necessidades econômicas, as quais impõe a cooperação entre empresas e também impedem o crescimento desmensurado da máquina administrativa. Todavia, estamos certos que a Justiça do Trabalho pemanecerá vigilante no sentido de coibir a fraude e impedir que as empresas locadoras de mao-de-obra concorram com o trabalho permanente“.
Em interessante passagem, a doutrinadora Alice Monteiro de Barros faz uma alusão a concorrência entre o trabalho permanente e a locação de mão-de-obra, que deve ser coibida.
Apesar de o Autor não ter praticado terceirização ilícita, e sim subcontratação lícita, importante atentarmos para o que ensina Sérgio Pinto Martins[7]: “Não se pode afirmar, entretanto, que a terceirização deva se restringir a atividade-meio da empresa, ficando a cargo do administrador decidir tal questão, desde que a terceirização seja lícita, sob pena de ser desvirtuado o princípio da livre iniciativa contido no art. 170 da CF/1988. A indústria automobilística é exemplo típico de delegação de serviços de atividade-fim, decorrente, em certos casos, das novas técnicas de produção e até da tecnologia, pois uma atividade que antigamente era considerada principal pode hoje ser acessória. Contudo, ninguém acoimou-a de ilegal. As costureiras que prestam serviços na sua própria residência para as empresas de confecção, de maneira autônoma, não são consideradas empregadas, a menos que exista o requisito subordinação, podendo aí ser consideradas empregadas em domicílio (art. 6 da CLT), o que também mostra a possibilidade de terceirização da atividade-fim“.
Finalmente, não pode ser ignorado que a Lei 13.429/2017, denominada “reforma trabalhista“, de aplicação imediata, possibilitou a terceirização de todas as atividades da empresa.
No mesmo sentido, o STF, na análise do RE n. 958.252 , entendeu pela possibilidade da terceirização de todos os setores da empresa.
Não se pode deixar de analisar a questão sem levar em conta a possibilidade da terceirização de forma irrestrita, sob pena de retrocesso da atual previsão legislativa.
Abre-se parênteses para destacar que, antes da mudança legislativa e do julgamento efetuado pelo STF, a subcontratação no transporte de cargas era lícito, nos moldes descritos.
- A LEGISLAÇÃO E A SUBCONTRATAÇÃO NO TRANSPORTE
A legislação brasileira prevê a subcontratação no transporte de cargas, que será ilícita apenas quando haver subordinação entre o contratante e o motorista do subcontratado.
A alteração legislativa denominada “reforma trabalhista“, estabeleceu, no parágrafo primeiro do art. 8, que o direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, senão vejamos:
Art. 8º – As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.
- 1º O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho.
O parágrafo terceiro do art. 5-A da Lei 11.442/2007, que dispõe acerca do transporte rodoviário de cargas por conta de terceiro, autoriza a celebração de contrato entre duas empresas de transporte de cargas.
No mesmo sentido, o art. 4 de referida lei autoriza a subcontratação, senão vejamos:
Art. 4º O contrato a ser celebrado entre a ETC e o TAC ou entre o dono ou embarcador da carga e o TAC definirá a forma de prestação de serviço desse último, como agregado ou independente.
- 1º Denomina-se TAC-agregado aquele que coloca veículo de sua propriedade ou de sua posse, a ser dirigido por ele próprio ou por preposto seu, a serviço do contratante, com exclusividade, mediante remuneração certa.
[…]
De acordo com o parágrafo primeiro do art. 4º da Lei 11.442/2007, que traz a figura do “agregado“, é possível realizar a subcontratação entre uma ETC e um TAC-Agregado, o que torna lícito o modelo de trabalho adotado pelo Autor.
A Lei n. 9.611/1998, que regulamenta o transporte multimodal, também prevê a figura da subcontratação, vejamos:
Art. 12. O Operador de Transporte Multimodal é responsável pelas ações ou omissões de seus empregados, agentes, prepostos ou terceiros contratados ou subcontratados para a execução dos serviços de transporte multimodal, como se essas ações ou omissões fossem próprias.
Perante o direito tributário, a subcontratação de transporte tem previsão expressa no Regulamento do ICMS de cada estado da federação. Nesse âmbito, a Lei 10.833/2003, no parágrafo dezenove do art. 3, prevê a possibilidade de gerar crédito de PIS e COFINS na subcontratação de transporte rodoviário de cargas.
No convénio ICMS 25/90, a cláusula primeira dispõe que “ Na hipótese de subcontratação de prestação de serviço de transporte de carga, fica atribuída a responsabilidade pelo pagamento do imposto devido à empresa transportadora contratante, desde que inscrita no cadastro de contribuintes do Estado de início da prestação“.
Tal modalidade de contratação, entre duas pessoas jurídicas, é necessidade no transporte. Para o subcontratante, a alta demanda de trabalho exigida pelo cliente, justifica subcontratar o frete. Se não o fizer, teria que parar de atender o cliente e perder para a concorrência.
Nesse sentido, verifica-se que a subcontratação no transporte é um costume (fonte do direito), devendo ser observada a tradição empresarial e mercadológica.
Soma-se a isso, a inexistência de prejuízo ao trabalhador e ao governo, o que permite concluir que o modelo de trabalho deve ser considerado válido, o que vai ao encontro com o princípio da razoabilidade.
[1] DELGADO, Maurício Godinho.Doutrinas Essenciais do Direito do Trabalho. Vol. 1. São Paulo: Editora RT. 2012. p. 1187
[2] DELGADO, Maurício Godinho.Doutrinas Essenciais do Direito do Trabalho. Vol. 1. São Paulo: Editora RT. 2012. p. 1171
[3] DELGADO, Maurício Godinho.Doutrinas Essenciais do Direito do Trabalho. Vol. 1. São Paulo: Editora RT. 2012. p. 1172
[4] DELGADO, Maurício Godinho.Doutrinas Essenciais do Direito do Trabalho. Vol. 1. São Paulo: Editora RT. 2012. p. 1172
[5] DELGADO, Maurício Godinho.Doutrinas Essenciais do Direito do Trabalho. Vol. 1. São Paulo: Editora RT. 2012. p. 1154
[6] DELGADO, Maurício Godinho.Doutrinas Essenciais do Direito do Trabalho. Vol. 1. São Paulo: Editora RT. 2012. p. 1154
[7] MARTINS, Sérgio Pinto. A terceirização e o direito do trabalho. 2. Ed., São Paulo: Malheiros, 1996. P. 99-100